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Foto do escritorCyber Leviathan

Crônica de uma morte anunciada!



José Luis Bolzan de Morais

Professor do PPGD FDV/ATITUS. Pesquisador PQ/CNPQ - Direito e Tecnologia. Presidentes do CYBERLEVIATHAN – Observatório do Mundo em Rede. Advogado (Bolzan & Bussinguer

Advocacia)


Tomo emprestado, aqui, o grande Gabriel García Márquez para dizer que o acontecimento que tem estado nos noticiários diários, até mesmo no debate virtual, faz parte de uma tragédia anunciada. Digo anunciada pois a dita “cultura das redes”, assim como a “economia da internet”, se nutrem, substancialmente, das relações (anti)sociais que promovem.

A morte de uma jovem, após sofrer todo tipo de importunação – próprios das lógicas de “cancelamento” e “lacração”, como conhecido na linguagem das redes -, nada mais é do que a soma de uma ausência de cultura para ser e estar nas redes ladeada pela maximização e instantaneidade do discurso emocional – fofoqueiro, no caso -, que contribui para a monetização dos tais influencers ou canais de “notícias” e o “reforço do caixa” das big techs proprietárias das plataformas de redes (anti)sociais. Fofoca mais lucro é uma fórmula explosiva que anunciava a morte desta e de tantas pessoas, jovens ou não, assim como já noticiara a morte da democracia como regime de governo e convívio social.

Agregue-se a esta equação a ausência de qualquer regulação do ser-estar nas redes, bem como destas,como instâncias de difusão de tudo e todos, como novos ambientes de produção e divulgação de conteúdos – notícias, opiniões etc.

Se, antes, para discutirmos alimentação de baixa qualidade, cunhamos o termo junk food, agora poderíamos falar em junk information relativamente a estes conteúdos com ampla, irrestrita e incontrolável divulgação.

O problema é que uns e outros se alimentam deste “lixo informacional”. Os usuários, em especial os ditos seguidores, têm sua sede saciada pela fofoca – como em outros casos se falava em “sede de sangue”-; os propagadores - como o caso daqueles envolvidos no caso da morte desta jovem – têm seus canais monetizados, arregimentando milhares ou milhões de “seguidores”; já as plataformas têm seus lucros ampliados, uma vez reforçada a economia do tempo própria dos ambientes de internet.

Um cálculo perfeito para o “modelo de negócios do Vale do Silício – MNVS”. Fofoca produz conexão e seguidores; estes geram ganhos aos divulgadores, que são retribuídos exatamente por isso; finalmente, as plataformas vendem mais e, assim, lucram mais, obtendo mais dados com o tempo concectado e a atenção dedicada pelos usuários.

A vítima, ou as vítimas – pois podemos ser todos nós, afinal as fake news não apenas matam pessoas, exterminam sociedades e democracias – não fazem parte deste jogo de ganha-ganha que embala as conexões entre desinformação e capitalismo digital.

Ainda, não se pode esquecer um fato revelador: estes influencers e seus canais têm milhares ou milhões de seguidores o que, por si só, está a indicar um outro problema: o que explica esta conexão dos usuários com este tipo de conteúdo? E, como enfrentar este déficit educacional, de ética e de cidadania, se não por meio de um letramento digital forte, afinal não há tempo para esperar que novas gerações nasçam e cresçam para estarem nas redes.

E, assim, o que resta para fazer. Apesar das dificuldades, a começar pela descontinuidade entre poder público estatal e poder privado da economia digital, é passada a hora de promover-se a regulação das redes.

O que temos até agora, em termos regulatórios, é insuficiente. O PL 2630 – das Fake News – avança, a ponto de sofrer o boicote das big techs, apesar dos próprios limites.

Como tem sido dito, todos os setores da vida privada e da economia têm algum tipo de regulação a que se submetem, porquê apenas a “internet” não teria? O que a imunizaria?

Por óbvio, isso não resolve o problema da descontinuidade entre um Estado, como instituição analógica, e a Internet, como ambiente digital. Os limites daquele impactam fortemente as condições e possibilidades para que o Direito, como expressão deste poder, seja capaz de submeter esta, tendo-se presente a descontinuidade espaço-temporal que os separa.

Mas, não podemos ficar inertes frente às mortes – da democracia ou das pessoas – anunciadas.


  • Este texto foi publicado com o título “Fofoca nas redes sociais: o que fazer com o lixo informacional”, em edição digital, no dia 27/12/2023. Resolvemos publicar a versão original para inaugurar esta nova atividade do Cyber Leviathan – Observatório do Mundo em Rede.

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